domingo, 28 de setembro de 2008

Eu, o banco, e a ausência de ti

um rapazinho bonito. uma rapariga. primeiro o rapaz estava lá sentado, com o computador nos joelhos, e a rapariga olhou. a rapariga gostava de olhar para as coisas bonitas e sentia-se bem por estar num aeroporto. passava e via as coisas que passavam por ela e que também a viam. a rapariga entrou noutro avião. o rapaz também. a rapariga já não se lembrava disso. mas calhou de que os aviões deixaram o rapaz e a rapariga no mesmo sítio. a rapariga entrou num táxi. o rapaz também. o rapaz e a rapariga falaram. pelo meio houve dias que passaram. um dia a rapariga disse adeus ao rapaz. e teve de voltar ao aeroporto. as coisas viam a rapariga a passar e a rapariga viu o banco. então a rapariga quis sentar-se no lugar onde tinha visto o rapaz, e sabia bem que se não era mesmo aquele, era o que estava exactamente ao lado. era aquele quase de certeza. a rapariga sentou-se e pousou as coisas. respirou e pensou em ti.

Eu e o Juvenal fizemos sexo quando teve mesmo de ser

Pensei nisso quando estávamos os dois nas nuvens. Lembrei-me de repente que era perfeitamente possível que o avião caísse a qualquer momento. Pensei que não ficaria nada preocupada, porque afinal, a morte será sempre tão inevitável que não valeria a pena (num momento desses) estar a preocupar-me com isso. Depois de tricotar uma barreira de protecção contra a gritaria generalizada que se faria ouvir, ficaria calma, a pensar. Então lembrava-me de repente que também existia a possibilidade remota de não morrer. Poderia, pelo sim pelo não, dopar-me para além da dose recomendada, mas como não sei quais seriam os efeitos secundários de tal acção (e nesses, poderia muito bem estar incluída uma valente dor de estômago) também não valeria a pena. Valeria a pena tentar. Isso sim. Confesso que pensei primeiro (única e exclusivamente) em mim. Estava decidido (também por mim, claro está) que se era para cair, então haveria de ser no mar. Decidi isto quando vi que mesmo em frente aos meus olhos havia uma inscrição que dizia que estava um colete salva-vidas debaixo do meu banco. A primeira coisa que havia então a fazer era vestir o colete amarelo. E enchê-lo, mas só quando estivesse mesmo a saltar do avião (isto disse-me a senhora hospedeira, por isso, podem confiar em como é a verdade). Lembrei-me depois que caso não morresse da queda, e caso também não morresse de afogamento, poderia morrer de hipotermia. Nesse caso, devia vestir, mesmo antes do colete, tudo o que pudesse aquecer-me. Mas não tinha nada mais que o casaco. Nada mais além de papéis. Não são bons para aquecer. Excepto quando se queimam, mas isso, tendo em conta as circunstâncias, também não seria nada prático. De qualquer maneira, desde que o Luizinho Carvalho fugiu para parte incerta (o que é apenas uma maneira alternativa de dizer que se perdeu), que também não tenho isqueiro. O que não há escusa-se. Por isso, comecei finalmente a pensar naquilo que queria salvar (para além de mim, claro). O caderno de física, útil sem dúvida, não seria prioritário. O computador, seria demasiado difícil. Revia tudo mentalmente quando me lembrei do Juvenal. Também estava ali, e teria de continuar comigo. Mas onde levá-lo? As mãos livres, far-me-iam sempre uma falta que não poderia dispensar. O Juvenal teria de ir preso a mim. Hoje não trago soutien. Teria por isso de o levar nas cuecas. Havia então duas hipóteses. Ou a zona sacra do Juvenal ficava encostada à minha, ou ficava ao contrário. Se fosse assim, não teríamos de fazer sexo, mas já nos conhecemos os dois há tanto tempo, que também não via porque não o fazer. Foi assim que eu e o Juvenal fizemos sexo porque teve mesmo de ser. No fim, quando veio um bote recolher-nos da água e nos sentámos os dois abraçados a um cobertor, eu dei-lhe um beijo (porque nunca gostei das estórias em que se atiram sapos à parede), e foi então que o Juvenal se transformou num príncipe (muito bonito) e se casou comigo. Claro, pensam vocês, que também poderia dar-se o caso de não vir bote nenhum. Seria assim que, definitivamente e muito sumariamente, morreríamos. Também não haveria nisto problema algum. Estávamos, tão somente, fodidos. Escrito no voo Porto-Roma, com início às 9h35, e dedicado ao túmulo do sr. sade. que a sua lápide permaneça saudável e feliz durante muitos e muitos anos. 21-09-08

domingo, 14 de setembro de 2008

O Moderador ouviu dizer que não só mas também V

Numa palavra, o assassínio é um horror, mas um horror frequentemente necessário, nunca criminoso, que é essencial que seja tolerado num estado republicano. Mostrei que o Universo inteiro tinha dado o exemplo; mas será preciso considerá-lo como uma acção que merece ser punida com a morte? Aqueles que responderem ao dilema seguinte terão respondido à pergunta: o assassínio é ou não um crime? Se não é, por que razão devemos fazer leis que o punam? E se for, por que razão - bárbara e estúpida insensatez - o punireis através de um crime semelhante? Marquês de Sade, em Filosofia de Alcova, 1795