Vamos produzir azeite e pôr filhos no mundo que possam correr por entre as árvores. não mais do que dois. como as nossas mãos que se apertam de suspiros. perdidas na vontade de nos comermos logo ali. no campo.
Quisera eu que os dois fizessem um filho. para que o aconchegasse. fofo. no regaço. um filho fofo. para que perdesse os dedos dissolvidos de pêlo negro. um filho para amamentar com o sangue que vou largando nas ruas. um animal agarrado ao meu peito. com dentes brancos e finos que me rasgam a pele devagar. um animal pequeno agarrado ao meu peito. com o nariz húmido e a língua áspera de tanto me lamber as feridas. com o nariz húmido a farejar o sangue que me cai gota a gota. o vermelho a sujar-me o soutien. o vermelho a sujar o branco. com a língua húmida a lamber-me as feridas. o sangue que cai. gota a gota como a chuva lá fora. para que possa contar o tempo. o animal sentiu o cheiro e tinha fome. é pequeno e tem frio lá fora. geme. húmido. e agarra-se-me ao peito. o sangue que cai. lambe. chupa. devagarinho. os dentes brancos a rasgarem-me a pele devagar. o sangue que cai porque me devo ter magoado muito no caminho. o sangue que me cai lambem-no os cães porque têm fome. quisera que fizessem um filho. um animal pequeno. preto. a falta do calor no regaço.
No dia
dezassete de setembro de mil novecentos e oita e três, isto é, há
muito muito tempo atrás, nasceu uma menina, entre outras tantas
meninas, que seria então tão pequenina como as demais. Logo desde esse
dia, a menina, tal qual todas as meninas, começou a crescer. A menina
não se lembra, mas no dia dezassete de setembro de mil novecentos e
oitenta e quatro, terá feito um ano. Nos anos que se lhe sucederam, e
sempre no mesmo dia do mês, a menina foi fazendo mais anos. Nos dias
que ficavam de permeio entre os dias em que fazia anos, a menina
aproveitava para fazer outras coisas. Num desses dias, a menina
apercebeu-se de que se tinha transformado. Passou de menina crescida a
menina muito crescida, e depois deixou de ser menina. A menina não
sabe bem quando isso foi. E não sabe bem se se deve preocupar, mas
acha que não. Continuou por isso a fazer anos, como fazia antes,
sempre que chegava o dia dezassete de setembro. E continuou também,
como já fazia antes, a fazer outras coisas. No dia vinte e quatro de
dezembro de dois mil e sete a menina fez um blogue.